Quase três meses depois de a Câmara de Vereadores de Campo Grande ter contratado, sem licitação, o escritório de advocacia Bastos, Claro & Duailibi Adogados Associados, pertencente à filha do desembargador Alexandre Bastos e à mulher de Gerson Claro, presidente da Assembleia Legislativa, o Ministério Público abriu inquérito civil para apurar a legalidade e necessidade da contratação.
Conforme publicação do diário oficial do Ministério Público desta quarta-feria (11), a investigação está sob responsabilidade do promotor Humberto Lapa Ferri, mas está com o o somente para quem tem senha do processo, o que raramente ocorre com os inquéritos que são instaurados pelo MPMS.
A única informação disponível é que o promotor vai “apurar no âmbito da probidade istrativa o Processo istrativo nº 080/2025, Inexigibilidade de Licitação nº 007/2025, da Câmara Municipal de Campo Grande, que culminou no Contrato nº 004/2025, com o escritório Bastos, Claro & Duailibi Advogados Associados, para serviços de assessoria jurídica.”
A reportagem do Correio do Estado solicitou ao Ministério Público o àquilo que já foi apurado até agora, mas até a publicação da reportagem não havia obtido retorno.
Porém, no dia 24 de março a própria Câmara de Vereadores informou ter contratado o escritório por R$ 300 mil anuais, embora já tenha pelo menos seis advogados concursados ou comissionados para cuidar da assessoria jurídica da Casa de Leis.
A contratação foi feita sem licitação sob o argumento de que se trata de escritório especializado em “assessoria jurídica relativa ao Direito Público, de natureza complexa, em licitações e contratos, bem como assessoria jurídica em todos os atos relacionados ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul e aos interesses da Câmara Municipal atinentes ao artigo 168 da Constituição de 1988”.
Este artigo 168 regulamenta a transferência de recursos do Executivo para o Legislativo. Ou seja, a Câmara dá a entender que pode ser lesada pela chefe do Executivo e por isso, de antemão, contratou um escritório especializado para garantir que receba aquilo que lhe é devido.
O escritório presta serviços à Câmara de Campo Grande desde 2012. Entre 2022 e o ano ado, porém, o valor anual era R$ 150 mil, ou R$ 12,5 mil mensais. Agora, apesar do envolvimento no escândalo da Ultima Ratio, o custo mensal aumentou em 100% e saltou para R$ 25 mil.
MEDALHÕES
Entre os sócios do escritório estão a advogada Camila Cavalcante Bastos, filha do desembargador Alexandre Bastos, e a esposa do presidente da Assembleia Legislativa, Katia Regina Bernardo Claro.
Tanto Camila quanto o pai foram alvos da operação Ultima Ratio, desencadeada pela Polícia Federal em 24 de outubro do ano ado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Por determinação do Superior Tribunal de Justiça, o desembargador Alexandre Bastos foi afastado de suas funções ao lado de outros quatro desembargadores por conta de um suposto esquema de venda de setenças judiciais. Um dos cinco desembargadores conseguiu voltar ao cargo, mas quatro seguem afastados
A filha do desembargador, Camila, também foi alvo da PF. Por conta de seu envolvimento no escândalo, renunciou ao cargo de vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS) e nem mesmo participou da chapa que venceu a disputa no fim do ano ado.
Originalmente, quando da primeira de contrado com a Câmara, em 2012, o escritório pertencia a Alexandre Bastos e ao deputado Gerson Claro, entre outros sócios. Mas, quando assumiram cargos públicos, rearam o comando às familiares.
Porém, conforme a investigação da Ultima Ratio, boa parcela do dinheiro faturado pelo escritório continuava indo para a conta pessoal do desembargador.
Isso, segundo a Polícia Federal, seria indício de que o magistrado, que chegou ao TJ nomeado pelo governador Reinaldo Azambuja em dezembro de 2016, continuava sendo uma espécie de sócio oculto do escritório, que conquistou notoriedade por conta da facilidade com que obtinha vitórias no Tribunal de Justiça, segundo a PF.
INTERESSE DIRETO
Na investigação da Ultima Ratio, a advogada Camila Bastos apareceu porque ela e o então marido compraram um imóvel e pagaram à vista R$ 600 mil. Porém, este imóvel não teria sido declarado no Imposto de Renda de 2020. A suspeita é de que a origem deste dinheiro tenha sido ilícita.
Ela se defendeu dizendo que o imóvel foi declarado pelo então marido e que tem como comprovar que a origem dos recursos foi de fonte lícita.
A então vice-presidente da OAB apareceu na investigação pelo fato de o escritório dela prestar serviços a uma série de prefeituras e algumas das causas eram julgadas pelo próprio pai, o que lhe garantia ganho de causa.
“Nesse contexto, evidenciou-se que o escritório BASTOS, CLARO & DUAILIBI ADVOGADOS ASSOCIADOS foi contratado por prefeituras do Estado de Mato Grosso do Sul para prestação de serviços jurídicos e que o Desembargador julgou ao menos três processos nos quais as prefeituras municipais figuravam como parte, no mesmo período em que sua filha, CAMILA CAVALCANTE BASTOS BATONI, atuava na consultoria jurídica ou prestava serviços jurídicos advocatícios, por meio do citado escritório”, detalha o ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nestes casos, não só por uma questão moral, mas também legal, o pai deveria se colocar sob suspeição e rear o caso para apreciação de algum outro magistrado.
O despacho do ministro revelou que “no tocante ao escritório ALEXANDRE BASTOS ADVOGADOS ASSOCIADOS há registro do COAF no sentido de que a pessoa jurídica "estaria movimentando valores superiores à sua capacidade financeira aparente, tendo recebido valores de diversos órgãos públicos".
O documento revelou ainda que o “escritório de advocacia em questão teria contrato com a Prefeitura Municipal de Costa Rica. Ainda segundo o relatório, ALEXANDRE BASTOS teria sido relator em dois julgamentos de processos relacionados à Prefeitura de Costa Rica, um no dia 29/07/2022 e o outro no dia 04/12/2022, período contemporâneo ao envio de recursos da prefeitura para o escritório. Ou seja, conforme os dados obtidos, ALEXANDRE BASTOS julga processos de prefeitura que possui contrato firmado por inexigibilidade de licitação com o escritório de sua filha”.
Em outubro do ano ado, a advogada Camila Bastos informou que no caso em que envolve uma ação do município de Costa Rica não houve a atuação pessoal dela. Além disso, o escritório de advocacia teria perdido a causa no Tribunal.
E se não bastasse isso, parte do dinheiro que estas prefeituras pagavam para o escritório de Camila acabava indo parar numa conta bancária da qual o magistrado era titular até 2024.
De acordo com o relatório do STJ, “dentre os principais destinatários dos recursos do Escritório de CAMILA BASTOS a empresa CONSALEGIS LTDA com 7 lançamento(s) no total de R$ 53.500,00. Acontece que, conforme banco de dados disponíveis, a empresa CONSALEGIS já teve ALEXANDRE BASTOS como um de seus sócios, e o afastamento de sigilo bancário apontou que ALEXANDRE BASTOS constaria como procurador de ao menos uma conta bancária da referida empresa ainda em 2024. Desse modo, chama a atenção o fato de ALEXANDRE BASTOS ter julgado processos de uma prefeitura que seria cliente de sua filha e que os vínculos financeiros demonstram interligação com ele”.