"O transporte público de Campo Grande é desumano", afirmou o ex motorista do Consórcio Guaicurus, Weslei Conrado Moreli, que trabalhou na empresa de 2019 a 2024. Weslei foi o primeiro ouvido na I do Transporte Coletivo desta quarta-feira (11).
De acordo com o ex motorista, além de trazer perigo para a população devido à condição dos ônibus, a jornada de trabalho dos motoristas foi definida como "inaceitável".
"No nosso contrato, a carga horária de trabalho deveria ser de 7 horas e 20 minutos. Mas era comum a gente fazer 9 ou 10 horas. Eu já cheguei a fazer 11 horas. Os nossos intervalos eram de 5 minutos em algum terminal, que dava uns 20 minutos no total do dia. A gente pegava algum salgado pra comer e comia dentro do ônibus", relatou e afirmou que essa era uma conduta "comum" entre os motoristas.
Weslei afirmou que pediu demissão da empresa por conta do trabalho excessivo, que estava afetando sua saúde em decorrência do estresse e más condições. Hoje, o rapaz reside na cidade de Florianópolis e também é motorista de transporte público. Para ele, a diferença entre os dois trabalhos é grande, tanto em condições de trabalho como em salários e benfeitorias.
"Em Campo Grande, o salário base, na minha época, era de R$2.500 mais um vale refeição de R$200. Em Florianópolis, o salário base é de R$3.775 mais um vale refeição de R$1.144, mas vai ter um reajuste que vai para R$2.200, além da jornada de trabalho ser de 6 horas e 20 minutos", contou.
O motorista também relatou que na empresa atual, os motoristas possuem uma hora de descanso, onde conseguem fazer suas refeições em uma sala nos terminais, diferente da empresa regida pelo Consórcio Guaicurus, onde as refeições, quando feitas, eram durante os rápidos intervalos.
Acúmulo de funções
Weslei contou que, primeiramente, foi contratado pela empresa Jaguar, uma das empresas que compõem o Consórcio Guaicurus, como manobrista, com a função de levar os ônibus para abastecer, para limpeza, e transporte no pátio interno. Porém, frequentemente, era feito um convite para que ele fizesse turnos como motorista de linhas, sem receber a mais pelo trabalho e nem horas extras.
Quando foi contratado na empresa Viação Cidade Morena, também integrada ao Consórcio, o cargo era de motorista. Porém, igualmente, por várias vezes, ele fazia o trabalho de manobrista, sem a remuneração adicional do acúmulo de funções.
O rapaz explicou que essa era uma prática comum das empresas e que muitos motoristas também realizavam a função de manobrista.
Sucata
Weslei também relatou que os ônibus são perigosos para a população por não apresentarem nenhuma segurança e não possuírem nenhum seguro. Entre os problemas relatados, ele citou a superlotação, falha nos elevadores e nos freios, além de goteiras em dia de chuva.
"São carros despreparados para levar a população, ônibus onde em dia de chuva, molha dentro, é um risco à vida dos ageiros e de terceiros", disse. "O ar condicionado é muito importante, eu cheguei a presenciar no eletrônico fazendo 42ºC, a temperatura é inável porque já está superlotado e a cidade é quente. O transporte público de Campo Grande é desumano".
Na oitiva ada, o diretor de operações do Consórcio Guaicurus, Paulo Vitor Brito de Oliveira, afirmou que a instalação de ar condicionados nos ônibus era "inútil", e que só faria diferença se os pontos de ônibus também fossem refrigerados.
"A pessoa 'tá' esperando no sol, se esquentando, e entra no ônibus que tenta ficar fresco, não adianta, não vai dar tempo de ela se refrescar. O abrir e fechar de portas, também, o ar condicionado não dá conta", afirmou na ocasião.
Seguro
Na oitiva ada, Paulo Vitor afirmou que não havia a necessidade de seguro nas frotas por ser mais rápido resolver a situação de forma pessoal.
"Quando fomos estudar, percebemos que mais de 85% dos acidentes que acontecem estão abaixo da franquia, e os acidentes que trazem repercussão por ter vítima, quando você tem seguro, você terceiriza isso. [...] Quando a gente tem o juizado itinerante, 80% das batidas já saem resolvidas com o juizado. Quando tem vítimas, é feito o boletim de ocorrência. Nós temos uma resolutividade muito maior do que na época do seguro e com muito mais assertividade. Então, dentro do estudo que foi feito, ficou demonstrado que a resposta para as vítimas é mais rápida", afirmou na época.
No entanto, Weslei conta que, quando existe um acidente ou um ageiro se machuca dentro do ônibus, é o motorista que deve responder e assumir a responsabilidade.
"Tenho uma amiga que se machucou e foram atrás do motorista, pra ele pagar a medicação e o atendimento médico. É descontado do salário dele o que deveria ser do seguro se tivesse", afirmou.
Denúncias
Até o momento, foram registradas 602 denúncias à I entre os diversos meios de comunicação disponíveis para isso. A quantidade é um demonstrativo da opinião da população sobre o transporte que, segundo Weslei, "não aguenta mais pedir socorro".
"A gente vê o olhar dos clientes pedindo socorro, pedindo clemência. Uma vez eu 'tava' no terminal e tinha uma senhora esperando a mais de 40 minutos e ela disse "meu filho, não vai ar ônibus?" Isso deixa a gente doente, é muito triste", relata.