A senadora sul-mato-grossense Soraya Thronicke (Podemos), relatora da I das Bets, apresentou o relatório final da comissão nesta terça-feira( 10), com o pedido de indiciamento de 16 empresas ou pessoas por crimes como estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e contra o consumidor, incluindo as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra.
Também estão na lista os empresários de casas de apostas, como Fernando de Oliveira Lima, o Fernandin OIG, e José Daniel Carvalho Saturnino.
O relatório pede que as informações reunidas pela I sejam enviadas ao Ministério Público Federal (MPF), que poderá fazer uma investigação criminal contra os indiciados.
Soraya Thronicke apresentou o documento para a comissão, em uma das etapas finais do trabalho do colegiado. A previsão é de que a análise colegiada do documento final ocorra na quinta-feira (12). O prazo para funcionamento da comissão termina no sábado (14).
Virgínia Fonseca
Conforme o texto final apresentado senadora Soraya, há indícios para processar Virgínia e Deolane por crimes como propaganda enganosa, estelionato, lavagem de dinheiro e uso de bets sem autorização legal.
A influenciadora Virgínia reconheceu, em audiência à I, que usava contas falsas para simular jogos on-line em que, supostamente, ganharia prêmios das empresas de apostas on-line. A influenciadora conta com 52,9 milhões de seguidores apenas em uma rede social.
“A atuação de influenciadores em redes sociais não é como uma publicidade qualquer. Ela é baseada na credibilidade que deriva de uma suposta atuação real dessas pessoas. Não há dúvida, assim, de que esses vídeos de apostas irreais induzem os seus seguidores em erro”, justificou a relatora da I, acrescentando que a conduta configura obtenção de vantagem indevida por meio de indução à erro de milhares de seguidores, crime previsto no Código de Defesa do Consumidor.
Soraya imputou ainda à influenciadora Virgínia Fonseca, que ganha dinheiro promovendo marcas na internet, a de acordos com empresas de bets em que ela ficaria com 30% do total perdido nas apostas pelos seus seguidores, desde que eles jogassem por meio do link divulgado por ela.
Essa prática é chamada de “cachê da desgraça alheia”. “Essa prática é claramente abusiva, podendo provocar demasiado estímulo no influenciador digital em convencer seus seguidores – que, em princípio, devotam a ele iração, estima e confiança – a efetuarem apostas”, argumentou a relatora, que recomendou a vedação a esse tipo de contrato.
Apesar de Virgínia ter negado a prática, o contrato apresentado por ela confirmaria o “cachê” especial ganho a partir da perda de dinheiro dos seus seguidores. Em uma rede social, Virginia incentiva seus apostadores a entrarem em um link de uma dessas bets.
“Está dando muito dinheiro! Uma seguidora entrou no link, botou R$ 20 e ganhou R$ 4mil, corram é só por R$ 20 e jogar”, diz a influenciadora.
O relatório da I aponta que esse tipo de jogo, conhecido como “tigrinho”, usa algoritmos que não são auditáveis, podendo ter os resultados manipulados.
Deolane Bezerra
Outra famosa influenciadora digital que teve o pedido de indiciamento pela relatora da I foi a Deolane Bezerra dos Santos, com 21,5 milhões de seguidores em apenas uma conta de rede social. Deolane já foi presa acusada de criar sites de apostas para lavagem de dinheiro, o que ela nega.
Soraya sustentou que a plataforma on-line supostamente ligada à empresa da influenciadora não é autorizada a funcionar pelo Ministério da Fazenda.
“A despeito disso, a empresa anuncia falsamente em sua página na rede social Instagram que teria autorização do órgão federal para atuar”, diz o texto do parecer, dizendo que a prática configura, em tese, crime de estelionato.
Apesar de já ter sido registrada como sócia da empresa de apostas on-line citada, Deolane atualmente não consta na composição societária da companhia investigada. Porém, a relatora Soraya suspeita que Deolane esconda a ligação com a plataforma.
“A ocultação da verdadeira condição de Deolane na empresa, que se viu representada por possíveis ‘laranjas’, com rees a título de propaganda, pode caracterizar, também, o delito de lavagem de dinheiro”, acrescentou.
As influenciadoras ainda não haviam se pronunciado nas redes sociais sobre o pedido de indiciamento da I até a publicação desta reportagem.
Relatório
Os jogos on-line de apostas – que hoje financiam boa parte do futebol profissional brasileiro – ainda foram apontados como responsáveis pela redução do consumo das famílias, em especial, das mais pobres, que deixaram de gastar no comércio para perder renda no jogo, com impactos negativos para a economia brasileira.
O relatório da I pede :
- regulação mais rígida das apostas on-line, com criação de entidade nacional independente para regular o setor,
- um cadastro nacional de jogadores,
- maior restrição à publicidade das bets e
- responsabilização dos influenciadores que promovem jogos de azar de forma enganosa.
- Estima-se que as bets movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões só no ano ado. Apenas para comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) está previsto em R$ 187,2 bilhões em 2025.
O tipo de jogo de azar on-line mais lesivo à população, segundo o relatório, é aquele totalmente virtual, sem vinculação com os jogos reais do esporte, como os chamados “tigrinho”, “ratinho”, “cobrinha” e afins.
Como não é possível auditar o algoritmo usado por essas empresas, o resultado é ível de manipulação, segundo o parecer de Soraya. No relatório, ela pede a proibição total desse tipo de jogo.
“Dada à facilidade de manipulação dos resultados, também se torna mais fácil a lavagem de dinheiro, considerando que os ganhos podem ser simulados para esquentar o produto de dinheiro oriundo de infrações penais diversas”, completou.
O relatório da I das Bets do Senado faz uma série de recomendações para o Executivo e para o Banco Central, com propostas para maior controle; e para o Legislativo, por meio de propostas de projetos de lei.
Nesse contexto, o relatório final da I defende a criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA).
“Para que o marco legal brasileiro alcance efetividade e responsabilidade social, é imperativo que o Poder Público disponha de instrumentos modernos de monitoramento e fiscalização”, justificou Soraya.
Além da proibição dos jogos totalmente on-line, como o jogo do “tigrinho”, a relatora pede uma regulação mais rígida da propaganda das bets, vedando o direcionamento a menores de 18 anos.
“Publicidades abusivas fazem lavagem cerebral com os consumidores, atingindo até mesmo crianças e adolescentes, com a participação dolosa de influenciadores e outros famosos”, disse a relatora.
Segundo o documento, “os anúncios não podem sugerir que as apostas resolvem problemas financeiros, emocionais ou profissionais, nem as apresentar como alternativa ao emprego ou como forma de recuperar perdas anteriores”.
Confira a lista com todos os pedidos de indiciamento:
- Adélia de Jesus Soares, pelos crimes de lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela é ligada à empresa PlayFlow Processadora de Pagamentos Ltda.
- Daniel Pardim Tavares Gonçalves, pelos crimes de falso testemunho, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele foi preso em flagrante por falso testemunho perante a I e é associado à empresa Peach Blossom Technology Ltd. e à ZeroUmbet Plataforma Digital LTDA através de sua esposa.
- Deolane Bezerra dos Santos, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa . Ela é apontada como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda. e proprietária da Bezerra Publicidade e Comunicação Ltda.
- Ana Beatriz Scipiao Barros, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Jair Machado Junior, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- José Daniel Carvalho Saturnino, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Leila Pardim Tavares Lima, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela figura como sócia da ZeroUmbet Plataforma Digital Ltda e é esposa de Daniel Pardim Tavares Gonçalves
- Marcella Ferraz de Oliveira, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Virgínia Pimenta da Fonseca Serrão Costa, pelos crimes de publicidade enganosa e estelionato. Ela utilizou “contas-demo” em suas publicidades e teve contrato com a Esportes da Sorte que previa remuneração baseada no lucro líquido da plataforma gerado pelos apostadores que ela captou, o que o relatório considera atrelado às perdas dos apostadores.
- Pâmela de Souza Drudi, pelos crimes de publicidade enganosa e de estelionato. Ela teve movimentações financeiras atípicas e incompatíveis com sua renda
- Erlan Ribeiro Lima Oliveira, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como sócio e parte de uma estrutura empresarial (OIG Gaming Brazil LTDA) ligada a apostas e com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Fernando de Oliveira Lima, pelos crimes de lavagem de dinheiroe associação criminosa. Ele é apontado como sócio da One Internet Group (OIG) e da OIG Gaming Brazil e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Toni Macedo da Silveira Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como da OIG Gaming Brazil Ltda e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Marcus Vinícius Freire de Lima e Silva, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, bem como para que se verifique a possível existência dos crimes de corrupção ativa e/ou tráfico de influência. Ele é apontado como central em um esquema de movimentação financeira e patrimonial, com indícios de ocultação e integração de recursos.
- Jorge Barbosa Dias, pelos crimes de lavagem de dinheiro. Ele é proprietário da plataforma de apostas MarjoSports e é apontado por indícios de condutas criminosas, movimentação financeira atípica e potencial sonegação fiscal
- Bruno Viana Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, e exploração de jogos de azar. Ele é sócio da Brax Pridução e Publicidade Ltda. e é investigado por indícios de movimentação financeira suspeita.